Remédios para a alma: como os livros acalmam uma mente ansiosa

Por Andreia Esteves

Eu e os livros

A sabedoria popular diz-nos que a vida não se aprende nos livros, mas desde pequena que a leitura tem sido para mim, não só uma forma de escapar à realidade, mas também um verdadeiro mecanismo de cooperação. Quando tudo à minha volta me assoberbava e deixava inexplicavelmente esgotada, os livros estavam lá para me consolar. Ainda hoje é assim. 

Agora sei que ser introvertida não é algo do qual me deva envergonhar e tenho consciência de que existem milhares de pessoas pelo mundo que, tal como eu, também sofrem de ansiedade. No entanto, passei grande parte da minha infância e adolescência a acreditar que era estranha e a sentir-me desenquadrada. Aquilo que me salvou nas fases mais difíceis? Ler, ler e ler.

Ao longo dos anos descobri que a minha experiência não é única, mas sim partilhada por muitos outros que encontram nos livros respostas e soluções para as suas vidas. Naquelas tardes em que me refugiava na biblioteca da escola a ler, não sabia que estava, na verdade, a realizar um exercício de uma prática com raízes ancestrais: a Biblioterapia.

A descoberta da Biblioterapia

A Biblioterapia é uma prática que consiste na utilização de materiais de leitura para fins terapêuticos. Actualmente, é utilizada como uma ferramenta de desenvolvimento pessoal por terapeutas, professores, bibliotecários e outros profissionais dos livros. 

Quando me comecei a interessar por esta área—em que agora dou formação—descobri que, em Portugal, a Biblioterapia ainda era muito pouco explorada. É curioso se pensarmos que a ideia de que os livros podem assumir uma função terapêutica não é nova. Já nas bibliotecas do Antigo Egipto os livros eram vistos como remédios para a alma. Diodorus Siculus conta até que, à porta da biblioteca do Faraó Ramsés II, se encontrava uma inscrição em que se podia ler: “a casa de cura para a alma.”

No entanto, foi só na segunda metade do século XX que a Biblioterapia passou a assumir um carácter científico e a dar nome a uma área de estudo. Isto graças à publicação da tese de doutoramento Biblioterapia: um estudo teórico e clínico-experimental de Caroline Shrodes. Shrodes identificou três fases do processo biblioterapêutico que constituem, ainda hoje, os pilares da Biblioterapia. 

  • Fase 1: Identificação

Nesta primeira fase somos motivados, enquanto leitores, a experienciar, ou até reviver determinadas emoções, comparando as nossas experiências, às das personagens da história. O clássico: “isto sou eu, sem tirar nem pôr!”

  • Fase 2: Catarse

É aqui que, ao lermos, libertamos quaisquer emoções que possamos estar, eventualmente, a reprimir. Shrodes explica que durante a catarse, o leitor é tanto espectador como participante. Por um lado, sabemos que aquilo que está a acontecer na história não está a acontecer connosco. Por outro, estabelecemos uma ligação emocional com as personagens que nos permite obter uma nova perspectiva em relação aos desafios que enfrentamos nas nossas vidas.

  • Fase 3: Insight ou Revelação:

Por fim, a Identificação e a Catarse levam a um estado de serenidade e—se tudo correr bem—a uma reflexão e eventual mudança de comportamentos. Apercebemo-nos, enquanto leitores, da universalidade da nossa experiência, reconhecendo que os desafios que enfrentamos são partilhados por outros.

Conclusão: Imagina algo que valha a pena

Os cépticos perguntarão, mas afinal a Biblioterapia resulta mesmo? Eu diria que os resultados falam por si. Para dar só um exemplo, num estudo de 2006, foi aplicado um plano de Biblioterapia—de 12 a 24 semanas—a crianças com distúrbios de ansiedade. Os resultados mostram que, após o tratamento, 15% das crianças tinham melhorado significativamente, a ponto de já não serem incluídas num quadro clínico de ansiedade.

De facto, enquanto leitora e formadora, tenho descoberto lições valiosas nos livros em geral e na literatura infantil em particular. Há uma frase famosa atribuída ao autor Dan Zadra que diz: “A preocupação é uma má utilização da imaginação.” Isto parece um mero cliché, mas a verdade é que, ao iniciarmos a atarefada vida adulta, por vezes esquecemo-nos do poder da imaginação que cultivámos em criança. Como diria o Principezinho, o problema não é crescer, mas esquecer.

Recordei-me do poder positivo da imaginação há uns anos, quando li pela primeira vez o clássico: Anne dos Cabelos Ruivos, de Lucy Montgmorey. Há um momento em que a órfã Anne justifica os seus constantes devaneios sonhadores dizendo: “Já que vais imaginar, porque não imaginas algo que valha a pena?”. 

Sempre que os pensamentos ruminantes surgem, ou pressinto o início de uma crise de ansiedade, tento lembrar-me das palavras de Anne. Os livros ensinaram-me que, por mais negras que as coisas pareçam, há sempre algo bonito e inspirador pelo qual agradecer, uma reviravolta inesperada à espreita, ou até mesmo a promessa de um final muito, muito feliz.

Sobre a autora: Andreia Esteves
Leitora ávida que trabalha como escritora freelancer, criando conteúdos sobre saúde mental, bem-estar e literatura para publicações internacionais, como a Healthline Inc. e a POPSUGAR UK. Dá também formação em Biblioterapia e Contos Infantis. Em 2020 fundou o There’s a Book for That: um clube de leitura online internacional para todos aqueles que procuram nos livros soluções para as suas vidas.


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