Depois de servir Gil Vicente

Uma das leituras mais curiosas que fiz em 2020 foi Quando Servi Gil Vicente, do autor português João Reis. Surgiram-me uma série de questões que, naturalmente, tinham de ser respondidas para eu poder continuar a minha vida – e que o autor tão prontamente respondeu, com o seu sentido de humor sempre presente.

Se não estás a par da história livro, lê aqui a minha review para não caíres neste artigo de pára-quedas.

JC: Confesso-te que fiquei muito surpreendida com esta leitura, tanto pela forma como conseguiste trazer a graça e o humor dos autos de Gil Vicente como pela adaptação que fizeste de um estilo mais arcaico da escrita. De onde surgiu esta ideia de escrever sobre o Mestre? 

JR: Há muito desejava escrever um romance pícaro, e Gil Vicente surgiu como o pretexto ideal para o fazer. Tendo em conta a sua época e as suas obras, pareceu-me ser a melhor opção para alcançar o meu objetivo. 

Tens alguma relação especial com a dramaturgia que nós não saibamos? Uma veia de ator desconhecida? Ou foi apenas a curiosidade por Gil Vicente que levou a embarcar na escrita deste livro?

A única relação que tenho com a dramaturgia ou o teatro é a de ter assistido a várias peças, nada mais. Porém, sempre gostei de Gil Vicente. Ou, mais precisamente, da sua obra. 

Sabemos que a Lisboa de Gil Vicente era bem diferente da que conhecemos hoje e sabemos também que a vida de artista nunca foi fácil – nem para o mestre dramaturgo. Quais foram os factos mais interessantes que descobriste na pesquisa para este livro?

Sim, a Lisboa de Gil Vicente apresentava ainda uma malha urbana medieval, mas era já a capital de um império em expansão (e, em breve, em crescente declínio). Descobri que, no fundo, quase nada se sabe sobre Gil Vicente, que quase tudo o que se propaga sobre ele é mera especulação, e ainda por cima mal fundamentada. Foi sobretudo interessante analisar a língua portuguesa e os hábitos alimentares em uso na época.  

Este é um livro bastante diferente dos outros que lançaste, imagino que tenha sido um bom desafio com pesquisa e risada à mistura. De 0 a incrível, como é que classificas a tua experiência de escrita deste livro?

Não sei se é assim tão diferente dos meus outros livros. Todos eles são diferentes, certo, porque adapto o narrador, a linguagem e a narrativa às circunstâncias temporais e geográficas da obra, mas a minha visão do mundo e o meu estilo elíptico estão também presentes nos meus restantes livros, com exceção de A Avó e a Neve Russa. Neste livro em específico, a diferença está sobretudo na linguagem arcaizante. Escrever proporciona sempre sensações e sentimentos ambíguos e díspares, pelo que me é difícil quantificar a minha experiência. Retirei, contudo, um certo prazer da construção da narrativa, claro. 

Sei que já está quase cá fora o teu mais novo, Se Com Pétalas ou Ossos, editado pela Minotauro. O que nos podes dizer sobre este novo livro? 

Na verdade, só sai no dia 18, mas sim, não tardará a estar disponível. Não há muito a dizer sobre o livro, já que o importante é a execução da história e não apenas a história. Mas posso dizer que é um romance sobre um escritor português que, numa residência literária na Coreia do Sul, se sente pouco propenso a escrever. E, na residência onde está alojado, uma escritora espanhola desapareceu… 

E que novidades podes partilhar connosco? O que ainda vem aí em 2021, que outros títulos, mais traduções nórdicas, projetos de bricolage e jardim…

Este ano lançarei outro romance, intitulado Cadernos da Água. Em junho, creio. Alguns dos meus livros estão a ser traduzidos para outras línguas. Como sou tradutor a tempo inteiro, estou sempre a traduzir obras escandinavas, mas não me compete falar delas. Jardim não tenho, mas uso o berbequim sempre que necessário. 

Já leste algum livro de João Reis? Deixa nos comentários o que achaste da leitura.